quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Traição

Com as pernas cruzadas, sentado dessa vez na banqueta de madeira e com o violão no colo, Ivo observava pela janela, para variar, a movimentação lá de baixo. Era incrível como a rotina alheia o cegava, ele ficava mobilizado e com os olhos fixos num pedaço qualquer de chão onde vários pés passavam desrespeitando a física (que só merece meu desprezo) enquanto a água da chaleira ia embora com o tempo renegado por ele, pois esquecera do fogo ligado e do café.
Não era uma vida tão ruim, talvez um pouco entediante aos nossos olhos mas para ele, que detestava lembranças, nascer era uma coisa diária. Esquecer do ontem e voltar a ser uma página em branco era normal, fazia parte e isso não é uma questão racionalista... É pura imaginação kantiana mesmo. 
A música do Bert Jansch que ele tanto tentava acompanhar com o pedaço de madeira cantante, variava na altura do som toda hora. Às vezes alto, às vezes baixo e a culpa não era da qualidade do disco, nem dos ouvidos abandonados mas sim da concentração de Ivo. Ele se pegava focado nas notas e de repente um cachorro defecando ou uma lolita o despertava a atenção, fazendo o movimento dos dedos diminuírem até que ele simplesmente parava para dedicar a passagem das nuvens a um fato qualquer. 


obs.: Na noite anterior a moça do sonho o abandonara, graças a substituição incontrolável pelo absinto e consequentemente a traição com a menina verde.
Ivo era um cafajeste. Era sim.

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