sexta-feira, 12 de julho de 2019

Resenha - Ciranda Lado B

pelo jornalista Fernando Andrade.
Penso no lado  serotonínico da noite quando as pálpebras abrem e vemos 3 :51 no despertador. Aqui não é uma figura de retórica, o corpo alijado do sono e dos sonhos, embora possa se ter sonhos acordados, mas o que temos de animais domésticos? Nesta hora onde a luz só se for do interruptor disjuntivo na parede. Qual deve ser a relação de um ser que acorda no meio da madrugada, não pensando em temas fisiológicos?
A escrita já se disse é uma arte noturna- soturna em que carneirinhos se transformam em lobos, em seres que buscam algum tipo de fome que o ser que está at(v)ivo produz um tipo de luz que vem dele do fundo de suas zonas. Assim como dia se faz luz e tem nome, títulos; o inominado é o que vem da gruta absurda do eu.
Esta gruta procura a loucura, o desvario, a insanidade não de um ato tresloucado, mas sim de uma errância em não se domesticar com o vazio da dita e sã normalidade. Fernanda Pacheco alcança plenamente quando pisa com pés poéticos e descalços, as zonas plúmbeas do pensamento, do retorcimento da imagem do self – as cordas embora tesas também se arrebentam. Seu livro chamado serelepemente de Ciranda lado B ( editora Penalux) faz uma cantiga negra do lado avesso (claro) dia. Noite da palavra, e sua sombra, aquelas que não se usam no cotidiano mais prozaico. Peço licença para a troca de letra, da letra s-z-prozac. Prosa(c).
A poeta com uma descida ao inferno lírico tece imagens voltaicas de energia deli(te)rante quanto uma lâmpada de luz de uma cozinha às 3:51. Desfilando ou desfibrilando as linhas de uma marca-passo repetidor ( atuamos nas nossas afeições pelos artistas diletos) para usar um termo Vila-Matiano, onde a poesia transpira matizes e influências de entes queridos da autora poeta ( Chet Baker, Miles Davis) os colocando ali como rubricas- assinaturas de uma chave que é uma linha que traz a loucura como alicerce da dilapidação de um real que para o artista precisa ser ouriversado em talhos-fendas de esquartejamento da carne do eu e do mundo e do real que o artista é viés político inserido.

fragmento

vazio de tanto existir,
mas há um olhar
que me transborda
a alma,
dado o silêncio
o amor espera
ter sua calma
em paz.

#7

Rios irmãos dançam
O futuro.
Eu me afasto do fogo,
Ele persegue.
Sombra noturna
Chama, convida a deitar
O ouvido em terra molhada.
Minha cabeça se faz vento,
Ainda longe do fogo.
É a mesma terra
Que me faz viva e podre!
ÉS VIDA E PODRE!
Enterro minha alma
Sepultada por árvores.
Ouço e a terra festeja
São danças em estalos de dedos.
Eu não tinha mais nome,
Nem raiz.
Raiz se fez meu corpo
Engolido com carinho.
Dormi
E dormindo percorri
Todas as estradas
Que nunca persegui.
O corpo agora porto
De todos os sonhos
E voos
Em meio ao caos,
Entre tufões
De TODOS os sonhos.
Retornei ao colo sem fim
Chorando a lua.
O fogo me espera
E o vento firme na mente
Como dois motores
A me carregar prum penhasco.
Me despeço
E avisto
Minha carne PODRE
Em prantos
Imersa
Na mãe terra.

#6

I.
Cada desgraça em seu lugar,
Normais debaixo
Do céu.
Desejos empoeirados
: sou um cristo no deserto
Da cabeça de um louco
Em abandono.
O non sense educativo
Aprender não faz sentido!
A mente canta circos
Espetáculos do caos.
Declaro extinto o silêncio!
O sol se põe
No colo do apocalipse
Faço uma trança de ordem
Enquanto morrem mais alguns ciscos
De solidão.
Passo em corredores
Alheios ao tempo.
Disfarço e choro
Já sem tempo,
Mas repleta de efêmeras memórias.
Não acredito em nada!
Basta o nada!
Dou nome às coisas ao som de Chet.
Sou bonita como meu algoz?
Ou carrego o feio nos olhos?
As paredes rachadas
Todas me abraçam.
Incensos maravilhas
Ervas pelo corpo
Uma reza pela desgraça.
Sou um desejo morto? Morto?
Jamais.
Engavetada a paz
Meus ombros dão lugar
Ao mundo.


II.
Mãe:
Um beijo
Na boca
do
d
e
s
e
s
p
e
r
o
O mais doce
Em forma
De acalento.
Amor torcido em rrrrrrrs.
Mãe:
Um beijo
Na boca
Do céu
Infinito.
Luta como quem vive
A vitória num eterno
Prelúdio.

#5

um cordão preto circula-me
me desenho e celebro
consigo ver o céu, meu amor
o sol não arrebenta mais
e a voz do meu filho
o olhar dele pousando no vazio,
tudo eu celebro
como as raízes de uma nova folhagem
existindo de modo inédito no outono.
eu resisto para lhe ver chegando
e te amo até a pele virar ao avesso.
tornei-me avalanche.

#4

frutas desbotadas
e cenas eclodem
no centro da sala
onde expulsei meu carrasco,
tanto passado decapitado
meus amores imaginários
um relógio jaz no meu peito
agora com olhos de pedra
que não choram mais...


... mas constatar isso dói. 

#3

ser uma mulher com a febre do choro por uma partida que não é sua. pela miséria de um homem podre que tanto apelou à humilhação. ela dança flautas, botas, venera o escuro onde se encolhe até se amar e gozar todos os limites dele. os gritos parecem agora quadros em ângulos sujos. uma mulher quando conhece a violência por ser mulher não acredita mais em deus.

#2

as plantas pisoteadas,
antes fosse o coração dele.
era uma porta fechada,
mas parecia a vida,
um fim tão sutil.
eu ria e tentava sonhar
meio morta, entretanto
atenta aos berros dele.
ao redor só o silêncio assistia
que vergonha!
estaria eu morta?
e se ele a matasse também?
caminharíamos juntas
romantizando as calçadas
os loucos em fúria.
a vida é fraca
de tanto sangrar.

#1

morri no amor
de tanto silêncio
e já era anunciado
em braços abertos
no meu corpo morno
a despedida do laço
emendo de solidão
relapso vez ou outra
de paixão.
morreu
de tanta lágrima
vou me engolindo
desesperada.

segunda-feira, 24 de abril de 2017

sinto em nó

ouço a liberdade
com minha nuca
e a beijo,
celebro o mundo novo
do inferno cadente
:uma esperança a mais despenca
e se desfaz
abaixo do meu queixo.

minha confissão é que sinto pânico,
mas quero dançar mesmo assim
quero ir pra cima de vocês
e arrastá-los até aqui!
carimbar a porra da empatia em cada um.

descobri que alma tem força
que grita mesmo calada -
eu queria ser forte como patti smith
condensar a paixão de tudo
nesse ar pesado de intensidade,
nessa tristeza linda de ser
e se bastar só ser.



-

meu corpo
é uma barca
suportando
uma alma
impaciente

segunda-feira, 22 de agosto de 2016

-

a cada descoberta tua
eu renasço 
a cada sorriso teu
o mundo se contorce
e ganha mais um pouco,
tudo que significa
se anula
tudo que se sente 
se reinventa.

-

minhas mãos na maçaneta
denunciam meu cuidado 
com o silêncio.
tenho monumentos tortos
transparentes, cheios de pó, 
[firmes
que de tanto vazio se ergueram 
nas esquinas deste apartamento.
meus pés neste chão fosco
atestam meu cuidado 
com o silêncio.
tento enxergar reflexos
só a distorção do estranho me vem
é assim que me vejo?
às vezes não me reconheço
e espero mais um sol partir
enquanto os vermelhos todos
me alimentam.

-

aquelas montanhas
este céu
por que não me engolem?
livros densos
poesias que me alagam
o preto sem fim da cafeína
a valsa do pó ao meu redor
por que não me engolem?
amor efêmero 
pensamentos no fluxo absurdo
podridão do corpo - mais um
a eternidade que paira sob seus olhos
mentiras disfarçadas de sanidade
saudade que já tenho sem partir
por que não me engolem? 

por que não me engolem?

-

curvas retorcidas vibram
entre meus medos tolos
o que é mofo 
vez ou outra me intoxica.

sigo meus rígidos passos
alimento o tempo 
com solos
de cortes táteis.

há um ciclo de mesmices
que tento subverter 
quando lhe viro o rosto de manhã
quando digo ao meu filho:
— meu menino, não chore!
percebe como pesco o mundo 
com essas mãos 
onde mordo minhas angústias?

miro prédios com um plano de fundo falso,
posso puxar esse azul
com a ponta dos dedos,
meter nos teus olhos
toda essa secura.

há um manto morno
forrando meu agora.
eu viveria de alegorias
para lhe poupar
o peso do meu choro.
pela nuca ouço o caos rítmico,
das tragédias em sequência.

sou capaz de me encolher
até caber na fresta de luz
que invade o tédio. 
não sou capaz de me enganar sozinha

esses socos ao pé do ouvido bastam.

-

todos esses nadas
parados
me submetem 
ao risco
de achar que sou algo
quando na verdade
vou além
voo além 
das paisagens foscas
dos teus olhos
secos

-

salto do corpo
sempre
para pousar
no ombro
do tempo
:ele me acaricia
em cada ferida
feita pela palidez
do vazio
daqueles dias.

-

escalo minha tristeza,
golpes de ar no peito
a dor corta tudo 
e anestesia 

eu imploro 
por cortinas fechadas
deixo escorrer pelos olhos
todo o inferno

não me reconheço
aqui dentro 
meu útero abrigou
toda a luz da vida

eu sou grata
perturbada
e finda.

quarta-feira, 11 de maio de 2016

-

o amor em mim tornou-se caricato,
um eterno rascunho cantado.
da malemolência às marcas que gritam,
tudo desmorona em silêncio
para depois se reerguer no meu peito
esse inominável estopim de sentimento
que vibra aos tropeços,
porém intenso
como se eu te amasse de costas ao tempo
e sei da cólera de tudo isso melhor do que ninguém
porque afundo em ti como se fosse a cantiga da fúria
de um mar cruzando o vento.

rebanho

democracia, pasto de rebanho
política convertida em eco surdo
brindemos o mais sujo do absurdo
mas nas valetas, vielas, colheitas
brotarão nossos gritos em punhos.
a ação não é vaidosa de ofício
tão pouco de passado e glória
é carente de luta, enjoada de palavras
aqui e ali sei que há organização
de corpos em ebulição,
de teorias ansiando prática.
detestaremos os cumes sociais
e mesmo rastejando
lutaremos para nós, sem medo

vicente III

sinto o infinito
saltando de mim
o amor que mudo grita
a cada sorriso teu
o que é tempo
lembrança e memória
diante do seu olhar?
és a mais bela definição
de agora
você é meu instante
minha eterna novidade
meu amor constante

sábado, 16 de janeiro de 2016

40ª semana

no inverso do tempo,
desejaria eu um sol 
arrebentado no chão
escorrendo entre meus pés

sempre almejei a intensidade
:pressioná-la contra meu peito
ser exatamente esse absoluto 
a beleza do delírio num vento plano

quis ser tudo,

até ouvir seu coração, vicente
até chorar sua vida
até me sufocar com o invisível 
até conceber a paz tão caótica 

tornei-me, enfim, tudo.

16/01/2016 
dizem que você nascerá hoje...

sábado, 12 de setembro de 2015

inacabado

subo pela esquerda a rua do teu samba
a felicidade em brasa contrasta concreto
chamo de amor esse inominável morador de mim
que me ensinou a beijar almas, a enxergá-las
contorno vielas, traço rotas sem compasso
te ouço cantar trabalho para ordenar nossos passos
migro dessa voz pra morar em ti
e volta&meia me pego imersa
afogada com gosto de você.

Vida

me perco
na água que escorre pelo corpo
me perco
nos traços dispersos da pele
me perco 
no toque desfigurado de mim
observo-me por dentro:
há um amor anunciado
que preenche o vácuo
despenco
na água que escorre pelo rosto
despenco
nos traços dispersos do outro
despenco
no toque morno dos dedos
condecoro mentiras
declamo ao chuveiro
e cada azulejo se emociona.

Vicente

Tenho em mim aquilo que é inominável
Dos poros todo o amor impossível
E por ser tão dito torto: infinito
Concreto também em vida que me é inédita
Uma pobre falta de ar magnífica
Que me revirou a pele em metamorfose
Sou esse corpo duplo de sentimento
Em potencial abandono de mundos
Denso da mais elegante melancolia
Anti-narciso, apaixonada por cada dor
Contemplada pelo alheio ansioso
Meu homem, meu filho, meu amor.

Vicente II

deitada na cama
ria sozinha
observando os movimentos
do bebê
em sua barriga.
o apartamento:
nublado.
em cada fresta:
canto de vento.
no cômodo gelado:
rastro de ânsia.
ela ria sozinha
depois de pedir perdão
ao bebê
em sua barriga
e chorava
porque ele respondia.
ser mãe é abolir
toda a solidão possível:
ela nunca estava
sozinha.
admirava a beleza
da força de ser
em compasso
dois.

devaneio de junho

é o parque industrial de pagu o romance do proletariado. não li. penso que poderia vivê-lo, mas nunca sei de nada. é preciso estudar, ter fundamento teórico, mas não só. também penso que nada tenho a dizer ou a escrever, por isso me ancoro numa literatura qualquer. comecemos pelo óbvio: dentro deste sistema, nós trabalhadores sempre pegamos o ônus. preciso focar nisso e sair da primeira pessoa. maria das marias sustentava-se em suas pernas torneadas de quem caminhava pelo centro antigo de são paulo. num salto alto que contrastava com seu rosto em farrapos, maria das marias pedia um sorvete de flocos no habibs, contando suas moedas, às 2h da madrugada. dinheiro do trabalho, do corpo maltratado. eu grávida imaginei: e se maria das marias também estiver? provavelmente já esteve. negra como carolina maria de jesus. vejo carolinas potencializadas em marias. penso no meu bebê. comunista sentindo-se solitária. sinto saudade de ana cristina césar. anas, marias, carolinas... se eu for mãe de menina, ela se chamará rosa, como a rosa morena de caymmi. um, dois, três passos e você transforma a vida num samba frouxo, num sambinha.

domingo, 15 de fevereiro de 2015

lasca de mim

tenho dessas de parar no tempo. digo, de morrer no tempo. paro na faixa pra atravessar enquanto dois cavalos passam. céu-cenário: bom dia! bom dia! queria que eu escrevesse algo mais inflamável, não é? o agora da minha cara pesa. gelatinosa vida essa que me deturpa. todos os anjos moídos dentro da minha cabeça. queimadura em néon e pasmem: sinto que alguém me bate. olha como pedalo atrás de suas orelhas! rárárá, ninguém lerá. um dom meu: causar preguiça. o que importa é que tô escoando esses dizeres da minha mente, amor. limpar a remela do olho. somos falsos — não que eu me importe com a verdade. continuo roendo unha até a última ponta. e essa luz que vem e vai, esse tremelique onírico em pleno dia festejando as sombras do apartamento? my eyes make waves. gosto do sol opaco, fosco e com essa pinta de apocalipse. na ponta da tinta o papel mama. até o caos frequenta o dentista. neste instante em diante sou ninguém, pra variar. me sinto esse troço sem nome. tenho certeza que tô só fazendo uma pausa dentro desse corpo. voltar é sempre frustrante, por isso não saio daqui. tão arremessadas ao mundo e tão bem patrocinadas as mocinhas. meus joelhos arrebentados estão uma graça. fico morta todo dia! você não? gastei muito tempo na plateia da rapaziada absurdinha. uiuiui. tô congestionada. regressa, fernanda. tá me atrofiando a alma, credo. pessoas&muros&murros. tudo saturação. vai sentir minha falta?

domingo, 1 de fevereiro de 2015

Que vem de lugar nenhum

Nascer é a morte, não é? Não me sinto aqui; quer dizer, há um alguém fora de mim que lhe sorri, mas às vezes alcanço a margem dos meus olhos e percebo o quão perigosa é a realidade. Você não acha chapada demais esta paisagem? O céu, que outrora me despertava uma ânsia desconhecida, agora me parece apenas um cenário. Sinto-me enfurnada dentro de uma caixa e quando apago a vida — que nem sei o que é ou foi — afundo no infinito onírico e como isso é maravilhoso! Tenho medo de sonhar, mas sonho e sinto prazer. Que é prazer? Aqui na mesmice do virtual meus sentidos miram em algo denso, extremamente comovente e intenso ao máximo quando apenas o encaro. E isso me vem como tormento porque os teus olhos me refletem o nada que tanto busco! Olhos de quem também sonha, de quem afunda em si. Olhos de quem me desespera em silêncio.

terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Suspensa

Debaixo do céu de reboco, você caminha seu corpo expedido em outros temporais, com seus panos soltos, seu peito fechado na brasa, o coração morno. Ontem esbarrei no teu semblante nu de três anos atrás, por acaso. Reconheci pela firmeza das mãos açucaradas no encaixe de sua postura descansada. Que é você? Tanto implorei a Deus pra não me por diante de semelhante absurdo, temerosa de acabar imersa no impossível e suspensa do mundo, que agora me encontro exilada das linhas gerais dessa vida. Qualquer dia eu volto.