segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Tarde nada espoleta

Não sei o que me leva a roer as unhas nesse fim de tarde sem sal. Não há angústia ou lamúria para atormentar meus pés cansados nesses saltos baratos que se dobram pelo asfalto sem nenhuma pressa de andar, apesar de gastos. As pessoas parecem satisfeitas com o ar que respiram, confiantes e seguras pelo amanhã que sabe-se lá deus se vai chegar ou não. Dão risada de números, felizes e certas da exatidão de algo tão óbvio. Fico aqui sentada, ignorando minha respiração, olhando a janela e imaginando se alguém ali na avenida deve estar escutando algo em outra língua, caminhando como se estivesse marcando os passos para alguém que poderia ou não segui-lo.
A mesa de madeira fica de frente para janela. Faço questão de posicionar minha cadeira de frente a ela, dum jeito que eu possa olhar e julgar o que vejo com comodidade. Faz um tempo bom depois da chuva matinal. É um sol desses fraquinhos que bate sem machucar, que te convida pra passar a tarde papeando depois do banho. Chega até a ser contraditório esse frescor todo em meio a fumaça, cansaço... Eu gosto.  Meu café não esfria justamente porque hoje não voltei a fim de queimar minha língua, então espero.
Sinto-me exausta de alguma forma. Poderia passar horas aqui com a cabeça apoiada sobre os braços, entretida com o vai e vem dos carros, com a marginal poluída ou com os hábitos alheios. Sim, eu poderia ligar o som, pegar um livro, ir fumar ali na escadaria, mas não vejo utilidade em nada disso. Não é exatamente aquela sensação de cérebro derretendo. O sol acomoda. Se eu fosse menor, pegaria um travesseiro e deitaria no chão debaixo do cobertor natural. Fazia muito isso quando era pequena... Sentava no chão e ficava olhando lagartixas.
Falando em livros, comecei a ler “O Último Magnata” do Scott Fitzgerald. Não sei pronunciar o sobrenome dele. Nunca pergunte o que estou lendo porque não sei pronunciar nomes assim. Mas o livro é bom. Está sendo por enquanto. Não é um livro que eu esteja amando loucamente como o “Pergunte ao Pó” do Fante, mas é... Agradável. Esses dias durante um café na faculdade, no intervalo da aula de História Medieval no qual ficamos discutindo sobre arte moderna (sim, há uma ligação), tive uma breve conversa com o professor de Brasil. Ele não é o tipo de professor simpático-efusivo se é que você me entende, por isso não vejo obrigação de cumprimenta-lo com um bom dia, só que dessa vez, assim como quem não quer nada, ele resolveu puxar assunto enquanto eu adoçava a bebida sagrada.

- E ai? Muito Bukowski?
- Claro, sempre.
- Tô lendo Pulp... É engraçado, né? Ele escreveu tantos poemas e aqui no Brasil poucos foram lançados. Ah, aquele livro “o amor é um cão dos diabos”... Ri demais. Já leu?
- Sim! O último que eu li dele foi o do capitão. Ri demais com o final, aliás, acho que fui a única.
- Não, ri também. Bukowski é muito bom.
- Agora terminei de ler “Pergunte ao Pó” do Fante...
- Hum, Fante. Li um dele. Aquele sonhos de... de...
- Sonhos de Bunker Hill!
- Isso! É bom também.

O café dele já deveria estar frio e aposto que o açúcar já estava impregnado no fundo do copo de isopor.

- Bom, até mais...
- Até.

A reação de quem estava me esperando foi uma só. Aquele espanto juvenil.

- Ele falou com você! Tem noção?

Ué, falou. Mas falamos sobre Bukowski! E o meu café estava horrível ao ponto de me levar a fazer caretas. Enfim, esse aqui da mesa já deve estar bom. Já não embaça tanto os meus óculos...
Ah, só para ilustrar... Edição de 1967 que eu “assaltei” com todo o amor do mundo na República da dona Nathalia.


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