Princess Bibesco (Marthe Lahovary) - Edouard Vuillard, 1920 |
Das palavras sei que nego o
envolvimento que há entre elas e o que me motiva a estampa-las neste papel.
Tenho longas janelas que encurtam a brisa fria e tenho olhos vítreos encarando
a maçaneta, ansiando pelos seus passos d’outro lado da porta. Eu te encaro
através da tua ausência e me contento com a companhia dos móveis de madeira, o
cheiro amanteigado vindo da cozinha, o frescor da minha pele e os mínimos
cantos unilaterais deste apartamento onde há dias nos despimos do mundo.
Fecho os olhos e não me vejo
mais aqui; puxo a respiração porque a vontade de chorar me vem como um soco –
eu sei que me perdi naquele dia em que me entreguei a você. Se hoje eu te
espero é na esperança de me encontrar.
Se for do tempo que os homens
vivem, considero-me livre de tal cronocracia. Reconheço o clarão dos dias e
desejo com tamanha devoção que as tardes
quentes voltem e me carreguem para longe deste espaço que dividimos. Sinto o
amor a cada passo que dou, e ao mesmo tempo em que ele me consome, ele me
motiva a pular capítulos... O porquê eu não sei.
Hoje coloquei um vestido
confortável que me permite ser independente de você, mas não das lembranças. Se
eu me tenho só, penso apenas em nós.
O jornal continua chegando todas
as manhãs e eu sempre o coloco sob a mesa com a cadeira virada para a parede –
solidão autenticada e intencional. Como me dói o rompimento da alma!
A maçaneta continua intacta, a
brisa não cessou e a certeza do fim alimenta a obrigação que tenho de me perder
por ai. Talvez não seja a hora de fazer isso pelos devaneios dos livros, pelos
olhos alheios.
Agora é o momento de transferir o horizonte para outros lábios e
braços que me suportem. Eu me perpetuei por todos os centímetros deste lugar!
Me vazei pelas instâncias e através dos desfalques do meu ser. É difícil se perceber e é pior
ainda chegar a este ponto pela interpretação alheia. Você me observou até eu me
sentir crua por inteira!
Você partiu covardemente,
miserável.
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