quinta-feira, 14 de março de 2013

Amargor amor

Princess Bibesco (Marthe Lahovary) - Edouard Vuillard, 1920


Das palavras sei que nego o envolvimento que há entre elas e o que me motiva a estampa-las neste papel. Tenho longas janelas que encurtam a brisa fria e tenho olhos vítreos encarando a maçaneta, ansiando pelos seus passos d’outro lado da porta. Eu te encaro através da tua ausência e me contento com a companhia dos móveis de madeira, o cheiro amanteigado vindo da cozinha, o frescor da minha pele e os mínimos cantos unilaterais deste apartamento onde há dias nos despimos do mundo.

Fecho os olhos e não me vejo mais aqui; puxo a respiração porque a vontade de chorar me vem como um soco – eu sei que me perdi naquele dia em que me entreguei a você. Se hoje eu te espero é na esperança de me encontrar.

Se for do tempo que os homens vivem, considero-me livre de tal cronocracia. Reconheço o clarão dos dias e desejo com tamanha devoção  que as tardes quentes voltem e me carreguem para longe deste espaço que dividimos. Sinto o amor a cada passo que dou, e ao mesmo tempo em que ele me consome, ele me motiva a pular capítulos... O porquê eu não sei.

Hoje coloquei um vestido confortável que me permite ser independente de você, mas não das lembranças. Se eu me tenho só, penso apenas em nós.

O jornal continua chegando todas as manhãs e eu sempre o coloco sob a mesa com a cadeira virada para a parede – solidão autenticada e intencional. Como me dói o rompimento da alma!

A maçaneta continua intacta, a brisa não cessou e a certeza do fim alimenta a obrigação que tenho de me perder por ai. Talvez não seja a hora de fazer isso pelos devaneios dos livros, pelos olhos alheios. 

Agora é o momento de transferir o horizonte para outros lábios e braços que me suportem. Eu me perpetuei por todos os centímetros deste lugar! Me vazei pelas instâncias e através dos desfalques do meu ser. É difícil se perceber e é pior ainda chegar a este ponto pela interpretação alheia. Você me observou até eu me sentir crua por inteira!

Você partiu covardemente, miserável.  

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