sábado, 30 de março de 2013

Amor trôpego

"Morning Sun" - Edward Hopper, 1952

Não sei articular palavras e muito menos sentimentos. Me submeto à finitude de cada pensamento que teima em te trazer pra perto, e eu não aguento mais dissolver lembranças em copos cheios. Quero descobrir qual é o sentido dessa nossa trama tênue, sem precisar inventar novas melancolias que preenchem a sua falsa presença. No caminho pelos centros urbanos experimento novos rastros -- flutuo com a tontura dos copos cheios. Atento-me aos trilhos do trem e conto camundongos, como quem conta estrelas na tentativa de se opor à rotina.

Você, poeta, voa comigo e desliza sua mão até as pontas dos meus dedos, fazendo-me sorrir, retomando a discussão sobre a sedimentação dos romances modernos. Oras, somos frutos dele, mesmo que você discorde. Teu argumento é todo prosa! Sua mão esquerda me conforta e eu sigo distante de você porque os utopismos me enjoam.

Talvez sejamos falsos dândis românticos em busca de um vendaval idealizado. O que é estético perde o sentido no ato e só resulta na nostalgia de quem vivenciou e se lamentou depois: é uma saudade de mentira! Por outro lado conseguimos sentir o inesperado e expressamos isso através de nossos poros, quando estamos ofegantes e sensíveis.

O que nos é exterior acaba sendo entediante, por isso quero te ouvir mais do que qualquer outra sinfonia. Deixe eu afinar teu silêncio tal como afirmara Mia Couto. A vida do lado de lá legitima todas as indiferenças visualmente explícitas nas esquinas dessa cidade, dessa rua, no modo em que entrelaço meus dedos nos teus... No valor que se dá à vida de alguém. Aliás, somos insignificantes, exceto para nós mesmos, ou pelo menos pra mim.

A partir do momento em que sento aqui e desfilo com a caneta pela página sem pauta, deixo o tempo para depois e caio num desencanto ao lembrar que neste momento você é todo sorriso quando te encaro. Você me questiona sobre o que estou pensando e eu, tola, não respondo nada além do próprio nada. Para compensar, omito de você que em minha cabeça prevalece algo que desperta a vontade insaciável de te amar, mas não continuamente. Sem nenhuma certeza já que ela incentiva a dúvida.

Nas ruas quero cultivar a boêmia à moda antiga contigo. Enquanto você rabisca versos em qualquer guardanapo, quero me apoiar em seus ombros, observar pela sua nuca e seguir o movimento de sua mão que agora conforta uma caneta. Qualquer poesia que for concluída será a nossa realidade -- que já é história -- estampada e convertida em falas recortadas. Em coisas que se fossem impostadas em nossas falas, perderiam o sentido. Extinguiria a necessidade involuntária de te amar. Não existiria o prazer de estancar a abstinência causada pelo desencontro dos nossos olhos, das mãos, da exaustão de nossas almas.

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