A Consolação não tinha fim e a Praça Roosevelt não chegava
nunca para os meus pés que ardiam dentro do par de botas velhas de couro. Eu
devia ter ido pela Augusta, mas a noite estava tão convidativa para uma
caminhada solitária, dessas que você cruza em pessoas tropeçando no próprio
cansaço. O arrependimento me bateu depois que sai do encontro naquele boteco
perto da Praça. A sola da bota já não aguentava mais e eu optei dessa vez pela
Augusta baforando seu calor humano na minha cara – desde o começo do baixo até
a esquina do Safra. Mais uma noite longa, irremediável e com os mesmos rostos.
Isso não me incomoda tanto no instante, mas depois, quando a necessidade de
escrever me vem, me irrito com o fato de não ter visto nenhum cenário novo.
Foi Hemingway que disse certa vez que Degas deveria ter
aproveitado mais a luz para pintar seus quadros, porque ao contrário de Van
Gogh – que era fissurado pelo amarelo –, Degas simplesmente detestava essa cor.
Hemingway costumava observar os quadros de Cézanne para construir seus próprios
cenários na hora de escrever e é isso que eu ando tentando fazer de uns tempos
pra cá. Acontece que nem cometendo o pecado do anacronismo eu consigo, porque
quando penso em quadros lembro imediatamente do meu pintor predileto, citado anteriormente.
Van Gogh e eu temos uma relação intensa há doze anos.
Quando finalmente alcancei a Paulista, as minhas botas
desistiram de mim e num ato de rebeldia, abriram um buraco debaixo dos meus
pés. O silêncio que direcionava meus olhos contrastava com a noite da
sexta-feira e a única coisa que ardia tanto quanto a empolgação delirante das
pessoas descendo a Augusta eram os meus pés.
De uns tempos pra cá a minha concentração anda falhando. Ok,
isso é normal... Acontece. Só que ela falha quando eu me esforço para mantê-la
ativa e isso acaba resultando na monotonia, tal como este texto entediante.
Para chegar em casa, saindo do centro, pego sempre um metrô,
um trem e um ônibus. Nessa ordem sem fim. Sabe, quando estou no trem costumo fechar os olhos e acionar
uma câmera imaginária deslizando pelos trilhos. Gosto de pensar que sou o trem.
Quando estou andando prefiro olhar para o céu numa tentativa falha de limpar
tamanha poluição visual e nessa noite calorenta as estrelas estavam impecáveis,
suplicando pelos olhares desatentos dos cidadãos abaixo delas.
Uma coisa que o Van Gogh me ensinou foi aproveitar todas as
coisinhas simples da vida. Desde os menores detalhes, até uma sombra, chegando
à amplidão do céu. Parece papo besta de “carpe diem”, mas quando você se depara
com um mundo vertiginoso ao seu redor, o mínimo farelo de naturalidade te
encaixa num parâmetro melhor. O sensível pode te dar prazer, como também pode
machucar e a humanidade vai caminhando assim.
A maior vantagem disso tudo é que dessa forma as suas botas
furadas que machucam a sola do pé são desnecessárias. E rodar São Paulo numa
noite ofegante torna-se um passeio cheio de cenários indescritíveis.
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