quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Noite inválida

Roy era um jovem atraído por química, mais precisamente pela química dos remédios.
Havia chegado em casa com a maior sutileza do mundo, era delicado com os passos. 
Não fez muita questão de tomar banho. Deitou-se no chão e por lá ficou. 
O resultado da experiência anterior passara a fazer efeito.
Nos ouvidos apenas o som dos insetos, no volume mais alto fazendo festa nos cantos.
Ao abrir lentamente os olhos, viu um ser rastejando ao lado.
Corpo adormecido e o psicológico fantasiando cheiros e sons.
Passou uma hora, duas... três. Roy despertou, deformado pelo interior.
Vestiu o casaco e pegou o chapéu que encontrava-se distante. Fora arremessado na ultima chegada.
Parou em um bar, tomou um gole de café amanhecido e partiu para a parte tediosa do dia.
Fez os estudos de sempre, as experiências de sempre, as conclusões de sempre...
Às 17h saiu. Recebeu uma ligação. Um encontro.
O pub da esquina, com o perfume do frasco menor, usado somente em ocasiões especiais.
Um chapéu preto como os outros, só que mais caro.
Nada de terno, nada de social.
Era consideravelmente tímido, mas ninguém sabia que sua mente escondia libertinagem. 
Não fez a barba, pegou o dinheiro e saiu. Pegou o dinheiro, o remédio e saiu.
Onze horas, pontualmente no local. 
Ela atrasou vinte minutos, aproximadamente. Mas quem se importa com isso?
Só o vazio de seu rosto já o satisfez.
A moça era Julie, bibliotecária individualista, beirando três décadas que ele conheceu num sebo.
Tanta expectativa, hormônios então...
Roy a observava enquanto vinha ao seu encontro com uma sacola nas mãos.
Se cumprimentaram brevemente, ela entregou a sacola.
Lhe pediu desculpas pela pressa, pois havia um compromisso marcado de ultima hora. 
Ele compreendeu, mesmo não querendo. Ela saiu.
Na sacola tinha dois livros, um didático de química e Noites Brancas.
Havia um bilhete:

"Achei este livro de química jogado debaixo da estante. Aposto que ele ficará melhor com você! O outro é de Dostoiévski, um cara que você me lembra com o olhar. Enfim, qualquer coisa, caso precise de outro livro ou alguma sugestão é só me ligar, prefiro que vá até a biblioteca. Abraços."

Foi embora do pub. 
O remédio já estava apertado no bolso.
Amanheceu. Estava encostado num muro, como um mendigo francês. 

Roy, o remédio e a sacola.
Roy e a sacola...

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