quarta-feira, 27 de julho de 2011

Úlcera

Ivo subia a rua com o resultado do exame na mão, enquanto sua barriga doía acompanhada das pernas trêmulas que quase não suportavam mais aquele corpo gritante e melancólico. Ele sabia o que tinha, ele sabia que o vício na cafeína em seus mais derivados gêneros havia o destruído e gerado uma úlcera, da mesma forma que tinha conhecimento de sua real idade que não era nada compatível com os números do RG. 
Ivo não era exatamente um revoltado que levava a sério os versos do Who e nem tinha se entregado à inconsciente inércia que era viver. Aquele exame não significava nada, já que a realidade não passava de uma grande ironia, na qual ele ignorava e tirava sarro dos engravatados famintos por afirmações e acredite (ou não), ele não era romântico até porque sua diversão era desconstruir os sentimentos mesmo sabendo que o amor é fácil de ignorar, enquanto a tristeza não, pelo simples fato de doer mais que um soco. 
Bem, é maio, é dia 15, são 38 anos e a fantasia oferece mais um cigarro a ele, que aceita tal como se fosse pão e já em casa, apoiado na janela, ele prefere acreditar que a poluição nada mais é do que um céu naturalmente nublado e que a chuva vem se aproximando... É melhor fechar a janela e ligar o rádio. Com as mãos no rosto, ele resmunga, xinga e debate com... com quem?


- Por que você me ofereceu cigarro? Por sua culpa vou multiplicar minha doença em cinco! 


Era covarde e eu não sei se é por conta da exclusão social, só sei que ele tinha a estranha mania de fechar os olhos diante de uma parede branca e ficar lá por horas, aliás, posso lhe garantir que isso não é meditação... Ele chamava de "encontro com o meu não-eu", algo baseado na filosofia do Fichte. 
Sua vida sentimental girava em torno de uma moça vinte anos mais jovem que o acompanhava no ápice dos sonhos, no único momento em que ele reduzia-se e repousava em seu colo, abraçando-a forte sem sequer saber seu nome... Era algo como "a moça do sonho".
Ivo tinha noção que escrever porcarias não lhe traria dinheiro e então, sua vida econômica dependia somente dos dias em que trabalhava no cinema do Frei Caneca, destacando bilhetes e recolhendo pipocas do chão entre uma sessão e outra, o que não era tão ruim já que ganhava (roubava) os cartazes para tampar os mofos  do apartamento. 
Voltando ao lar, amargo lar, Ivo já estava no quinto copo de café. Xícara para ele, era coisa dos fracos e das moças e com os pés esticados no sofá, o rádio cantava e a janela transcendia uma paisagem que só ele via. Ninguém era o bastante para força-lo a realidade. Quem somos nós para adverti-lo? Os "não-eus" lhe respondendo? Somos somente imaginação barata...

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