quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Acordar é a pior parte

Ivo adormeceu ouvindo a moça do sonho ir embora, pisando pesado sob o assoalho úmido que saltava aos olhos quando resolvia abrir com toda a força do mundo para ver aquele corpo miúdo se despedindo agressivamente. Ela sempre o abandonava.
Quando se deu conta que a noite tinha passado pro lado de lá do mundo, Ivo girou o corpo na cama e com a barriga pro teto esfregou os olhos que insistiam em não abrir para encarar o mofo daquilo que desabava sob sua cabeça. Era domingo, era folga, era o fim! A consciência o alertou de que não era realmente necessário levantar, que poderia ficar por ali eternamente e que a vida o esperaria. Ele obedeceu. Os braços que estavam de fora das cobertas enfiaram-se de vez debaixo delas e num puxão, ele cobriu-se até o pescoço e virou-se de lado, paquerando a parede azul. 
A televisão estava ligada e passava um programa sobre saúde. Mais um desses programas que alienam as pessoas de forma saudável... Algo mais ou menos assim. O sono não era o mesmo. Fechou os olhos e ficou ouvindo, na tentativa de falecer por ali. 


- Pessoas que bebem muito café correm o risco de ter mais dor porque a cafeína interrompe a produção de endorfina, substância que nos previne do mal estar


Deveria ser provocação, imaginou. Deveria estar delirando ou começando a sonhar, quer dizer, ter pesadelos. Ivo era do tipo que se uma formiga lhe incomodasse, todo o resto do universo o estaria incomodando também. Enquanto aquilo não sumisse, tudo estaria um caos e com a televisão ligada na alienação matinal saudável não foi diferente. 
Começou um dilema. Levantaria ou não? Se levantasse para desligar a tv, perderia toda a chance de voltar a dormir naquele dia. Se não levantasse, o dia seria uma merda. Por que não comprar um controle? Seria mais prático. Ele também tinha dessas de lembrar do pior só quando estava na pior. Caso ficasse com dor de dente, choraria até não poder mais atrás de um dentista. Se o dente não doesse, os dentistas poderiam morrer que não fariam falta alguma e assim caminhava a humanidade.
Decidiu levantar. Desligou a televisão, desistiu da cama, foi até a cozinha com um pé com meia e o outro não, o cabelo todo pro lado esquerdo, a cara amassada, o bafo e os tocos de unha pretos. Sabe-se lá o que fez na noite passada, mas a cabeça pelo incrível que pareça, não doía como o de costume. 


- Esses merdas não sabem o que dizem. Foda-se a endorfina. Fodam-se.





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