segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Groove

Certa vez, na padaria conversando com o Chico, um amigo dele entrou e sentou ao seu lado cumprimentando-o discretamente e com um orgulho que era notável em seus olhos. Dei um gole no café sem tirar os olhos desse tal amigo e falei um oi tímido, desses que desvia a atenção. Chico pediu para que eu sentasse no meio deles, na intenção de me fazer participar da conversa. O amigo dele tinha olheiras que faziam contraste com a cor clara dos olhos... Assim como a maioria dos meus amigos, ele era um bocado mais velho do que eu. Conversamos sobre música. Sobre o Chico, claro e ficamos ali horas esbanjando admiração e respeito por sua obra. Ele também tinha uma relação de amor com a música.
Os ponteiros rodaram e tive que ir embora. Tive que deixar o Chico e ele. Combinei com o primeiro que iria encontrá-lo na vitrola assim que chegasse em casa e com o segundo, combinei ao acaso. 


- Nos vemos por ai.
- Sim... a gente vai se falando. Tem meu número, né?
- Tenho tenho. 


Passaram alguns meses, e próximo de maio, próximo do aniversário dele resolvi arriscar uma aproximação. Lhe mandei uma mensagem:


- Posso te dar um disco do nosso amigo Chico?
- Claro! Eu ficaria muito feliz! Quer ir no show hoje? Te coloco na lista, ou a gente marca de se encontrar...
- Não posso... Hoje não. Eu te mando por correio!


Ele me passou o endereço e na semana seguinte de seu aniversário e do meu, mandei não só um disco, mas vários... E mandei um bilhete também, com a letra de "Com açúcar, com afeto". Não demorou muito para chegar, e dois dias depois, recebi o retorno com vários pontos de exclamação que aqui irei evitar:


"Você é um amor! Não imagina minha felicidade! Vamos nos ver, tomar uma cerveja com o Chico! 
PS.: Eu adorei o bilhete, o que acha dessa? 


Súbito me encantou
A moça em contraluz
Arrisquei perguntar: quem és?
Mas fraquejou a voz
Sem jeito eu lhe pegava as mãos
Como quem desatasse um nó
Soprei seu rosto sem pensar
E o rosto se desfez em pó



Beijos, querida!"


Fiquei mais feliz pelo bilhete do que pelos discos. Depois desse dia ele caiu na estrada e eu no mundo capitalista... Não parei de trabalhar um minuto, até que decidi perguntar o que ele achava de ir ver obras de arte qualquer dia. Foi um suposto convite que gerou um outro para jantar e eu, lógico, não fui. Não fui porque tenho síndrome de paulista e penso sempre com um pé no amanhã.
Na baixa Augusta, resolvi chamá-lo para a tal cerveja mas ele não respondeu. Quando não me respondem eu simplesmente ignoro também. Não corro atrás. Isso foi num domingo e na terça ele me manda uma música do Simon & Garfunkel, "April come she will". Golpe baixíssimo. Argumentou que a dupla lhe causava nostalgia, mas uma nostalgia boa e questionou de novo quando íamos tomar um café com o velho Chico. Não dei uma resposta exata, como sempre.
Nos encontramos de vez mês passado num show de graça que ele ia fazer com a banda. Entrei no anfiteatro, fiquei de cara com a guitarra e com a bateria e passei mais da metade do show fora de mim. Dançando, cantando, gritando, fazendo graça até que ele resolveu se manifestar:


- Meu amor!  - Pegando minha mão e a beijando.
- Ô querido, Chico mandou um abraço!
- Sério? Vamo conversar a respeito disso depois?
- Claro!


O show continuou, as pessoas do meu lado me olhavam com cara de "quem é você?", eu ficava ali curtindo da mesma maneira. O vocalista resolveu anunciar uma música dele e ao chegar no microfone, o bonito disse:


- Essa é pra você!
- Não faça isso, rapaz. 


Sorriu timidamente e eu também, sentindo os empurrões nas costas e cantarolando com ele. No refrão, que dizia "quando pensa em aprontar, ela vai e apronta antes", eu fazia cara de cínica e ria muito. Nas demais músicas, a mesma coisa. Nos olhávamos e ríamos. Eu tentava disfarçar fazendo caretas pro vocalista que vinha fazer carinho no meu rosto mas não aguentava, os olhos corriam pra ele. O show acabou, eu fiquei ali satisfeita até que ele veio mais uma vez e me abraçou:


- Vem!
- Mas eu posso?
- Você é minha amiga, vem! 


E fui. Subi no palco, ele pegou na minha mão e saímos dando risada e dando aleluia pro encontro. Finalmente! 


- Você costuma conversar com seus amigos no escuro? 
- Hahaha, não... Quer ir lá pra cima? 
- Vamos, ué.


Lá no ambiente iluminado, sentamos e ficamos falando do show. Eu elogiando e ele dizendo que não tinha sido tão bom assim. Falou que enquanto estava na van, tinha me visto fumando na calçada, sob o clima london london. Contava sobre os seus romances. O restante da banda comentava sobre o show também. Ele, super receptivo oferecia a cada 5 minutos alguma coisa.


- Quer uma coca? Uma água? Uma cervejinha? Um cafuné? 
- Hahaha, quero nada não.
- Vai jantar comigo hoje? Deixei o salmão descongelando.
- Amanhã acordo cedo, nem rola.
- Mas ah... Não acredito! De novo? Poxa, pensei que hoje você ia!
- Desculpa!!


Alguém se aproximava e ai ele soltava do nada isso "pensei que ALGUÉM ia jantar comigo hoje, sabe?". Eu olhava com cara de metida pra ele, ele ria, eu ajeitava o chapéu na cabeça, ele abraçava, eu ria, ele arrumava meu cachecol, a gente se olhava e ria... ria muito, até que tive que ir embora.


- Não vai mesmo?
- Não... não posso.
- Tá bom então, menina... Vou te ligar essa semana.
- Você só fala.
- ...


Fui embora. Besta. Mais boba do que besta, confesso. Passaram alguns dias e eu fiquei fria de novo, até que irresistivelmente, perguntei como ele estava. Na estrada, de novo e eu capitalista. Ele decidiu me apelidar de "moça bonita da cidade que repousa mas não para". Baita apelido... Achei graça. Muito mais simpático do que eu o chamo, com certeza. 
Em uma madrugada recente, recebi um email... ele havia o escrito em meio ao frio sulista, anexado havia uma canção nova e no corpo, ele pedia minha opinião, queria ver se eu tinha achado bom. Dei play na música e a princípio me lembrou "my my hey hey" do Neil Young, mas quando ele começou a cantar, na metade da música eu comecei a chorar. Sabe-se lá deus por que. Ouvi mais umas 10 vezes e em todas senti uma emoção absurda. Isso não me assusta muito porque realmente sou sensível demais em relação a música... Enfim. Acho que continua. 



   

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