sábado, 28 de janeiro de 2012

No divã

Em uma das poucas vezes que acordei cedo, antes de amanhecer e com disposição, fui fazer o que há de mais poético no apartamento. Fui até a janela aproveitar a visão do oitavo andar e por lá fiquei crente de que o dia amanheceria mais tarde ou talvez nem despertaria porque o tempo estava cru, feio, chovendo e tipicamente paulista (a maldita terra da garoa). Debrucei mesmo assim, sem escovar os dentes, com o cabelo desgrenhado e uma das barras da calça do pijama até o joelho. Fazia questão apenas do óculos que nem funcionava tão bem como antes e me perguntei por quantas vezes mais eu iria ver aquela mesma paisagem. Pouco importava já que eu a olhava somente uma vez por dia.
Ritual higiênico feito, a calça ainda torta e com o rosto inchado, senti preguiça de fazer café fresco e esquentei aquele que estava há dias no bule. Olhei bem para ver se não tinha nenhuma formiga e olhei em vão porque é impossível encontrar, peguei o copo e sentei no sofá, olhando em silêncio pra lugar nenhum. Às vezes me preocupo com isso, de ficar quieta. Normalmente as pessoas perguntam se eu estou triste, com raiva, emputecida e afins só porque fico quieta. O porquê de relacionarem o silêncio com coisas negativas eu não sei e tenho certeza que isso nada mais é do que um bocejo interno. Dizem que nós bocejamos quando o cérebro está sendo pouco usado, ai fazemos isso meio que pra dar uma despertada. A minha quietude é justamente por causa disso, acho que durmo de olhos abertos em alguns momentos. Em outros parece que estou conversando freneticamente com alguém e quando me dou conta, não há ninguém, não há barulho, no máximo minha mãe gritando meu nome ou outra pessoa mandando eu acordar pra vida (não há melhor definição que essa). 
O meu primeiro incomodo nesse dia foi ver que tinha um livro parado que eu,  por alguma, razão abandonei e não li. Sempre preferi me organizar, sabe? Compro vários e vou lendo, colocando na fila e quando termino todos, vou e compro mais. Às vezes roubo, mas ok. A questão é que eu pulei esse pobre livro e comprei mais quatro. Trata-se de Linhas Tortas do Graciliano Ramos, um livro que eu certamente peguei sem querer, mas prometo que irei lê-lo. 
A literatura brasileira nunca foi tão atraente pra mim. O primeiro livro que eu li cheia de vontade e bem nova foi "A Bolsa Amarela", da Lygia Bojunga e a partir dele eu imaginei que tudo seria legal. E foi por um certo tempo, ou melhor, durante a minha infância. Monteiro Lobato era meu Bukowski e o Ziraldo era rei. Eu era fanática e cheguei a ir numa palestra dele quando eu tinha dez anos. Me falaram que eu poderia levar um livro pra ele autografar e se eu desse sorte, poderia tirar uma foto! Levei uns seis livros e achei o máximo quando ele abriu um sorrisão pra mim, meio espantado com aquela cena. Por pouco não chorei. Eu, tão miudinha, com uma pilha de livros que tampava meu rosto de propósito porque eu morria de vergonha. Sai de lá absurdamente feliz. Essa foi a primeira vez que eu disse: "uau, posso morrer feliz!". 
É, vivo dizendo isso quando acontece algo muito inesperado na minha vida e depois acho bobo. A última vez que eu disse isso já faz um tempo. Foi no show do Arnaldo Baptista. Poxa... Um mutante! Um mutante cantando e tocando Bob Dylan. Eu chorei... Chorei mesmo. Um teatro não tão grande e apenas o lóki com uma camisa de paetê rosa e um piano, fazendo gestos adoráveis e levando as mãos ao rosto como se tivesse vergonha, fazendo charme toda vez que terminava uma música. Saia da "Balada do Louco" e ia pra Carmen Miranda. Desafinava, mas ninguém se importava porque afinal de contas era O mutante que estava ali diante de nós. Um gênio. 
Show do Primal Scream foi loucura também. Não foi algo que me fez citar a frase, mas quando eu acordei no dia seguinte, fiquei por um tempo pensando no que tinha acontecido. Dançando axé na esquina com a Barbara Eugênia depois de ter dançando até me acabar no próprio show e depois indo pra Augusta no táxi com ela apertada pra fazer xixi, enquanto o Clayton me olhava dizendo que ia comer a lasanha marroquina da minha mãe. Que diabos. Nós três indo a princípio na Augusta, depois indo pro show do Primal e terminando a noite onde começou, comendo coxinha. Que coisa.
Mas... Voltando à literatura brasileira, é difícil ficar satisfeita. Parece que sempre leio a mesma coisa, parece que há um estereótipo e felizmente há exceções. Gosto muito do Álvares de Azevedo. Foi um grande desgraçado que gerou bons frutos em pouco tempo. O Machado de Assis, por mais piegas que seja, é genial também. Gosto do modo sarcástico que ele utilizava pra escrever, assim como o Marcelo Rubens Paiva. Tem outros também, esses foram exemplos. Agora a literatura estrangeira é estupenda. Eu com certeza posso entrar no grupo de brasileiros que tem preconceito contra brasileiros, não importa. Acho muito superior a nossa, exceto na música onde não podemos pegar uma letra sei lá... Do Dylan e comparar com uma do Chico Buarque. Compositores brasileiros são muito mais sensatos nesse ponto e confesso que às vezes sinto-me um pouco infeliz por sair cantarolando por ai determinadas músicas dos Beatles. 
Era eu no sofá vendo um livro ignorado com o copo de café na mão e pensando tudo isso em silêncio.

2 comentários:

nádia c. disse...

Roberto Piva tem bastado para mim. e gente, aquela Hilda Hilst? Que mulher. Dalton trevisan tem me arrancado bons risos também.

Alan disse...

Uau.