segunda-feira, 13 de maio de 2013

Caótico



Em frente ao ponto de ônibus tem um puteiro com iluminação brega. Eu fico por uns vinte minutos ali esperando aquele suposto transporte e aproveito para diagnosticar o que me cerca. O puteiro tem vida interna e parece que a cada ejaculação, uma moça sai pra fumar.

Esse ponto fica atualmente debaixo de uma ponte. O mesmo lugar onde eu sentava com alguns amigos aos quinze anos, ouvindo música e olhando a insensatez efervescente dos meninos mais velhos que a cada dez minutos iam ao bar do outro lado da rua colocar algum rock dos anos noventa na jukebox. O bar continua lá ao lado do puteiro e a jukebox foi abandonada.

Alguns passos atrás de mim existe um córrego e mais ao fundo da ponte, alguns viciados que ficam ali sentados acariciando ratos enormes como se fossem cachorros de estimação. As pessoas que aguardam o ônibus criticam aquela gente sem dó. Há tristeza nas duas faces, tanto de lá quanto de cá.

Me lembro de uma vez em que eu estava sentada em um banco e um rapaz que provavelmente tinha a minha idade sentou ao meu lado e perguntou se podia falar comigo. 

Um fruto do senso comum ignoraria e sairia de perto daquele "indivíduo suspeito". 

Eu não fiz nada, apenas olhei pro rosto dele e fiz que sim com  a cabeça. Ele começou a chorar... Acho que ninguém nunca tinha olhado para os olhos dele e então, ele falou que normalmente as pessoas têm medo e o julgam por ser morador de rua e homossexual. Eu retruquei afirmando que existem pessoas que se vestem muito bem e que não valem nem o cimento do asfalto. Em cinco minutos o menino me contou que era dependente químico e que precisava de dinheiro para alimentar sua fome relativa. 

Droga, química, vício.

Por bem ou por mal eu não tinha um puto naquele momento, apenas um saquinho de amendoim que eu decidi entregar a ele -- o suficiente à aparição de um sorriso murcho. Como todo homem que vive preso ao seu mundo, ele levantou e foi embora como se nunca tivesse falado comigo. 

Eu sempre preferi o ônibus que dá  mais voltas pela cidade porque sinto prazer em ler o silêncio dos sinais que existem por ai. As pessoas falam o tempo todo mesmo quando estão quietas. As esquinas à noite emanam almas que eu suspeito se são perdidas ou não. Quando passo pela curva da avenida logo vejo as moças levantando as saias e exibindo seus corpos com uma expressão de gosto. Lamento mais por aquelas saem da igreja com o desejo reprimido e suas saias até os pés... Não importa.

Ouço um comentário do cobrador sobre o cemitério da cidade que evidentemente abriga o corpo do meu avô. Me parece que o local foi abandonado e o que sobrou dele, idem. Não me sinto triste, mas incomodada com a naturalidade do caos. 

Desço debaixo de outra ponte e ando com calma pelo caminho escuro até a portaria do condomínio. Os passos estalam no chão por causa do asfalto e acabam assustando algumas baratas grandes que ficam próximas aos esgotos. 

Isso acontece em todos os lugares, todos os dias com todo mundo. Eu me incomodo com a dissimulação dos seres rasos e com a atribuição de atenção à conformidade. A zona de conforto me soa tão desconfortável e tola.

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