quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Olhar em repouso



gosto do rosto abatido do velho
sentado na esquina com cartas nas mãos
e sua perna direita amputada
esvaindo cada fio, agora consciente, de respiração.
gosto porque o velho me olha
inerte ao tempo
como se me dissesse que a dor amanhece,
que o vento sofre quando nos acaricia,
e o céu, enquanto avesso do mar, sobrevive de deboche.
sinto que me observo constantemente
distante do que enxergo, ilhada em algum lugar em mim
situada pela solidão de perceber cada linha da pele.
me afasto ainda mais quando tomo conhecimento
de braços, rostos, troncos, sexos;
porque tudo que me é semelhante, assusta.
o olhar do velho - somente o seu olhar ciente do fim - me aconchega.
essa agonia tão prazerosa de olhar pra cima da cabeça
e sentir o desconforto de perceber que tudo é incerteza
me faz viver a amplidão de uma mera existência que vai além do corpo
do que ouço, do que enxergo, do que sinto
da ardência dos olhos implorando pestanejar
enquanto fito cada lágrima que despenca do rosto do velho abatido.



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