quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

hoje é não



durmo um dia sim, um dia não
me desespero com o pote vazio do café
ainda tem um pouco já pronto de ontem
minha vó costuma dizer quando a visito no fim da tarde:
"fia, esse café não tá bom, não. eu fiz de manhã"
acho que prefiro o de ontem
mas tá melado e eu não suporto
foda-se, dá logo esse gole
é madrugada
convivo em harmonia com as baratas paulistinhas
vou na janela da lavanderia
me espanto com a lua gorda vibrando no céu
não olho muito - ela pode me enlouquecer -
amanhece e ela continua lá em cima
vou cedo ao masp
os mesmos quadros com um título de exposição diferente
exceto os do modigliani
e de lá pra cá os pescoços dele ficaram enfiados num subsolo
faz um calor delinquente na avenida
numa esquina tem um moço frágil tocando xilofone
disseram que ele tem aids
entro na livraria pra procurar um claudio willer
encontro e vou comer um lanche
uma menininha puxa minha camiseta
pede uma salada de frutas
é negra, tem a roupa suja, vem da rua
pediu pra todas as pessoas que estavam na fila
"não tenho" disseram
eu só disse "claro, pega lá"
pegou e foi expulsa pela segurança da livraria
sai de lá com tontura e decidi ir pra casa
cochilei no metrô que foi e veio
e decidi ir à casa de uma amiga
a russa artista
três dedos de jack daniels
"tem um marc chagall lá no masp"
fotos na parede azul, no jardim
preciso de uma pro livro
três saramagos na mochila
fui embora na chuva
com cheiro de cachorro
e os outros com cheiro de humano
ônibus cheio
no topo do prédio um céu impressionista
desnudei pro banho
me deportei pra cama
e esperei o dia sim depois do não


Um comentário:

Magno A. disse...

Esse peito daqui, talvez longe daí, respira as mesmas palavras quase sempre. excruciante!
Palavras soberbas, obrigado por isso.