quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Palmas

Sacudindo o tapete do banheiro pela janela enferrujada, Ivo observava por cima dos óculos sem lentes a previsão original do tempo que anunciava um abafamento recheado de poluição e chuva ácida, nada que o impedisse de calçar os sapatos e encarar a luz do dia antes do trabalho. Apesar de viver em um mundo fatigado de emoções, as coisas poderiam mudar pra algo melhor. Quem sabe o preço do cigarro abaixaria?
Lá estava o chão cheio de orgulho paulista e os sapatos encardidos de Ivo. Lá estava o apocalipse diário abraçando os mendigos ilusoriamente felizes. Era terça-feira de um suposto dia infinito onde os pensamentos reduziam-se naquilo que ele tinha como sólido. 
A realidade era o toque. Os ratos com asas, os carros buzinando, o COPAN entortando o céu e o tecido dos bolsos. Não existia razão para pensar em uma possível paixão até o momento em que entrou em um dos cafés que existem por ali. Apertado, sem lugar para sentar mas um tanto agradável e convidativo. Esses lugares que contam história com relíquias aparentemente velhas sempre chamaram a atenção de Ivo. Pediu o velho o expresso e só. Ali de pé, apoiou-se em um dos ombros e acariciando a testa franzida, pegou-se pensando no que não devia. Não era a moça do sonho, nem ninguém específico como de costume. Sentiu-se tolo para variar enquanto o café queimava a ponta da língua. 
A vida era do tipo que lhe sorria amarelo pontualmente. A ideia da solidão e de sempre ter sido assim atormentava sua respiração e o modo de encarar o próximo gole que naquele instante parecia ferro. Um sentimento desses que dói na boca do estômago e faz com que soltemos um suspiro que pede choro e quase que instantemente o vazio dava lugar para o isolamento certeiro. 


- São todos uns merdas mesmo. Por que eu deveria me preocupar? Uma televisão ou até mesmo um cinema cura essa coisa.


Ele detestava admitir que dependia de um outrem pra sobreviver, porque todos aqueles que apareceram em sua vida foram descartáveis. Isso é óbvio. As pessoas chegam, tomam um chá e se vão de um jeito ou de outro, algumas com um tempo a mais outras com um tempo a menos. A questão é que se vão e ele não admitia isso porque parecia sempre continuar no epicentro do circo com o público aplaudindo cada pequena desgraça que acontecia. 
Já havia tornado-se cômodo a rotina. A única coisa que sempre variava era a quantidade de pessoas dentro do picadeiro. 

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